Este ano resolvi fazer uma das
coisas mais contra-indicadas na apicultura: contabilizar alguns dos custos de produção
na minha exploração apícola.
Desde as deslocações, o
combustível gasto, medicamentos, alimentação artificial e outros, ignorei o
tempo, quem corre por gosto não cansa, pelo que resolvi oferecer a mão-de-obra à
exploração.
O que me motivou para tal?
Tirar uma dúvida. Recordações de
um amigo que me precedeu e fez esses cálculos.
Já não me lembro das contas,
bastou-me ouvi-lo dizer: “Ia apresentar este estudo num encontro de
apicultores mas não me atrevo, é melhor que não o saibam, é melhor que nem
façam contas…”
Para mim, a partir daí, a
apicultura passou a ser um daqueles carros que gostamos muito mas com um
barulho estranho no motor. Evitamos no entanto levá-lo à oficina não vá o
orçamento antecipar-lhe a morte.
Este tema não é inédito. Há quem
o encare como a criação de canários, dizendo que se tivessem um animal de
estimação também gastariam muito e aqui ainda lhe aproveitam o mel. Já outros
comparam a apicultura a um mealheiro: vão escondendo o dinheiro até à cresta e
venda do mel, onde esperam senão recuperar a totalidade pelo menos uma parte.
Já o ProDer tem uma visão mais “pragmática”
do tema: a apicultura é muitas vezes usada para complementar outros
investimentos/projectos de retrocesso financeiro mais lento, visto ser uma
actividade com lucros logo no primeiro ano.
O ursinho “Winnie the Pooh”
também tem um ponto de vista curioso, mas não se enquadra nesta exposição…
…
Os custos apresentados referem-se
apenas ao combustível gasto,
aos medicamentos acaricidas e ao alimento artificial complementar ministrado às
colmeias entre Setembro de 2012 e Março de 2013, ou seja, o alimento necessário
à manutenção das colónias durante o Inverno e estimulá-las para a Primavera.
Os Resultados:
Clique nas imagens para as ampliar.
122,50 € / 33 Colmeias = 3,71 €/Colmeia.
Entre 08/09/2012 e 23/11/2012 havia 36 colmeias.
Entre 12/12/2012 e 09/02/2013 havia 34 colmeias.
A partir de 06/03/2013 restam 33 colmeias, perderam-se 3 unidades.
Custo Total Colmeia: 3,71 € (Deslocações) + 8,92 € (Alimentação) + 10,00 € (Acaricidas) = 22,63 € por colmeia.
Relativamente aos Resultados…
Notam-se aqui várias situações
peculiares e por isso poderão não servir de exemplo para todas as regiões/situações:
1- As duas sessões de alimentação estimulante (líquida) no mês de Setembro
de 2012, motivadas pelo facto de as colmeias terem regredido bastante em plena
floração do Girassol.
Nunca tal me tinha acontecido,
mas as colónias que ocupavam em média oito quadros em Julho de 2012 (antes da
transumância para o Girassol), regrediram para cerca de cinco quadros em
inícios de Setembro (antes da transumância para os apiários de
Inverno/Primavera). Tal fenómeno poderá ter várias justificações, mas
pessoalmente estou mais indicado para pesticidas utilizados no Girassol.
Segundo algumas referências, uma das
possíveis explicações para o SDC poderá ser quebra quantitativa e qualitativa
da floração no fim do Verão, motivada pelas alterações ambientais, incêndios,
etc. Por isso, o mês de Setembro torna-se o período estratégico para fortalecer
as colónias de abelhas com alimento artificial, renovando-se as populações com
abelhas novas para melhor resistirem ao Inverno.
Apesar do risco de desencadear
uma postura exagerada da rainha no período frio, tanto a quebra da alimentação
artificial em Outubro, como a ministração de alimento sólido ou muito viscoso
em Novembro reduzem ou eliminam esse risco.
A estratégia utilizada parece ter
resultado muito bem, pois na primeira contagem após a alimentação estimulante de Setembro
(a 20 de Outubro de 2012), a média de quadros ocupados/colmeia subiu para os
7,4 e no fim de Dezembro já alcançava os 8,3 quadros o que é uma meta bastante
positiva.
2- O grande número de sessões de alimentação de manutenção (sólida ou
muito viscosa) durante o Inverno, justifica-se na região onde tenho os apiários,
por causa do clima rigoroso e da escassez ou ausência de floração durante esta
estação.
Em tempos não muito recuados, e face ao Inverno rigoroso, as colónias
da região utilizavam todo o néctar da Primavera para dimensionarem o ninho e
adquirirem dimensões de produção. Só subiam para as alças no fim de Maio e por
isso só se produziam os característicos méis escuros com crestas no fim do
Verão.
Para conseguir-mos a cresta
principal em Junho, com méis claros oriundos das florações de Primavera, é
condição determinante a alimentação abundante durante o Inverno.
Basicamente, o grande número de
sessões de alimentação deste Inverno deveu-se à recuperação das colónias
prejudicadas com o Girassol, somado à alimentação habitual para compensar o
Inverno rigoroso da região. A pouco mais de 30 km daqui, em Ponte de Sor, nada
disto faria sentido visto a estação fria disponibilizar grande quantidade e
variedade de vegetação.
Conclusões
1. Tal como já suspeitava,
os custos/colmeia parecem suficientemente desanimadores para pensar duas vezes
antes de continuar com a actividade apícola. No entanto, facilmente se
identificam alguns pontos onde se pode “cortar nas despesas".
a) Uma monitorização mais acurada teria permitido evitar tal
regressão das populações no Verão, nomeadamente a escolha de florações com
menos riscos de intoxicação das abelhas.
b) A utilização de produtos mais baratos na confecção do alimento
permite reduzir em muito os custos. Em vez de ter utilizado 44,1 % de açúcar e 42,3
% de mel, poderia ter optado pela quase totalidade de açúcar com vestígios de
mel apenas para aromatizar os xaropes e aumentarem a atractividade das abelhas.
Durante o período do estudo o
pólen utilizado (13,7%) aumentou de 3,50 € para 5,50 €, o melhor estímulo para
quebrar a preguiça de o produzir e armazenar, evitando assim a sua compra a
preços proibitivos.
c) A levedura de cerveja, um excelente substituto do pólen, é nesta
altura francamente mais barata que o pólen. Já a farinha de soja, a preço mais
acessível, não parece ser muito do agrado das abelhas.
d) A aquisição de todos estes produtos alimentares em grandes
quantidades, conjuntamente com outros apicultores decerto contribuirá para a
redução do preço.
e) Apesar deste factor ter sido bastante ponderado na minha
exploração, um planeamento mais correcto das idas ao apiário reduzirá bastante
os custos de deslocações/combustível.
Aqui notam-se algumas das
peculiaridades do apicultor, não da região. Como se pode observar no quadro das
deslocações, antes da maioria das sessões de alimentação quase sempre há uma
deslocação aos apiários para “recuperação dos alimentadores” e que consistia em
trazer os pratos para higienização e enchimento em casa.
Como o alimento viscoso é mais
difícil de dosear e colocar no prato, preferi fazê-lo no conforto de casa…
Podia ter resolvido isso comprando mais pratos (0,40€ cada) ou então passar
mais tempo nas noites frias no campo…
f) Na instalação do apiários, além de todas as regras básicas: disponibilidade
de fontes de néctar e pólen, protecção dos rigores do clima, acessos,
ordenamento, etc, convém de futuro compreender também outras preocupações,
nomeadamente as distâncias ou o planeamento de um circuito sustentável que
permita a passagem pelo maior número de locais com custos mínimos de
deslocações.
No caso apresentado, se
substituísse o apiário “AZI” por
outro local no mesmo circuito dos outros três, pouparia cerca de 20 km em cada
ida à exploração.
g) A redução das sessões de alimentação parecem-me bastante contra-indicadas pelas razões já apresentadas, tal como o aumento das doses de
xarope/alimento para reduzir as idas ao apiário. A perecibilidade do alimento,
sobretudo do estimulante, poderá tornar-se um risco para doses acima das 500g/colónia.
h) As “grandes deslocações” a Portalegre para a aquisição de
alimentos poderá evitar-se aproveitando outras deslocações ou aguardar que
alguém no-los traga…
i)…
2. Mesmo apelando às alíneas anteriores para a redução de custos,
facilmente se percebe que o valor alcançado nunca será muito do nosso agrado,
pois como já foi referido, os cálculos apresentados apenas se reportam às
deslocações, à alimentação e medicação das colónias de abelhas.
Curiosamente, estes aspectos da
apicultura revelam que esta é uma actividade cada vez mais caracterizada por um
artificialismo insustentável. É uma felicidade para o apicultor entrar
na Primavera com colónias de abelhas fortes, saudáveis e populosas, mas tal só
foi possível mercê de inúmeros trabalhos e custos com alimentação e
medicamentos.
Há umas décadas atrás os
apicultores passavam pelo mesmo sentimento de realização sem os custos e preocupações
atrás enumeradas. Desde esse tempo até à actualidade que o agravamento das
condições ambientais e das condições sanitárias muito se têm reflectido
negativamente nas produções apícolas e o futuro só parece trazer um agravamento
(…)
Se não houver uma
consciencialização global que promova a regressão destes problemas, muito em
breve a actividade apícola será de todo insustentável, não compensando
minimamente manter as abelhas para produzir mel, pólen, etc e daí tirar
rendimentos. Com o aumento desordenado de novas explorações apícolas, com
grande número de colmeias, porque as regras assim o ditam, geridas maioritariamente
por apicultores com pouca ou nenhuma experiência, com a diminuição dos recursos
naturais pelas alterações climáticas, políticas agrícolas danosas e uso
indiscriminado de pesticidas, entre muitas outras razões, chegará o dia em que
teremos de alimentar as abelhas em plena Primavera.
Então deixaremos de ser produtores
de mel e passaremos a ser transformadores de açúcar, se é que isto faz algum
sentido.
Ironicamente, o uso
indiscriminado de pesticidas que tantos malefícios tem causado na apicultura,
resultam também do facto de a própria agricultura já ser há muito um artificialismo
insustentável.
3. Ainda relativamente aos custos
de produção, não foram contabilizados os custos de amortização de todos os
equipamentos envolvidos: colmeias, alças, centrifugas, mesas de desoperculação,
demais utensílios, desgaste de veículos, instalações, obrigações fiscais e
sociais, o próprio salário, etc…
Mas não deixa de ser curioso,
quando ao deambular-mos pela Europa, nos deparamos com inúmeras explorações
apícolas onde boa parte dos equipamentos são construídos pelo próprio
apicultor. Aqui onde a crise é a palavra de ordem, opta-se por comprar tudo
feito.
4. Entre muitas outras conclusões
que podíamos tirar destes números, deixo uma última e que espero fique a pairar
pelas consciências:
Nos últimos três anos os meus
efectivos têm rondado as 30 unidades. Colónias que desdobro antes da Primavera,
normalmente para o dobro e que acabo por ceder metade pois não tenho muita
disponibilidade de tempo para uma exploração maior.
As colmeias que me saem da
exploração, por imposição minha, são uma selecção das melhores. O que equivale
a dizer que há dois anos que selecciono as piores colónias para mim.
Seria de esperar que após este
período de selecção negativa os meus efectivos tivessem as piores
características em termos de produtividade, dimensões, sanidade, etc.
Certo é que à entrada da
Primavera se me deparam mais de 90% das colónias a abarrotar de abelhas,
saudáveis e de tal forma populosas que opto por desdobrar evitando a perda de
enxames.
Fará sentido falar em selecção de
abelhas?
Não teremos um pool genético
suficientemente rico e bem adaptado às nossas condições climáticas que aguente
com tudo e mais alguma coisa? São apenas dúvidas que tenho…
Pelos números e dados apresentados,
partindo de quaisquer colónias, desde que se ministrem alimentos em quantidade
e qualidade, as colónias reagem muito positivamente e com bons resultados. Tal
como foi dito atrás acerca do artificialismo insustentável em que a apicultura
se está a tornar , o problema parece residir sobretudo no esgotamento de
recursos motivados quer pelas alterações climáticas quer pelos encabeçamentos
exagerados, a que se somam os pesticidas e a sanidade mal controlada. Apesar de tudo continua a ser muito conveniente seleccionar as melhores colónias cujas características mais nos interessam.
…
Este trabalho terá continuidade
ao longo do ano apícola, voltando a publicar novos números assim que eu os
tenha. Para que ninguém desanime com os resultados, só pelo facto de ter
desdobrado o efectivo inicial para o dobro faz com que os custos desçam para
metade, assim os desdobramentos ocorram com sucesso, mas ainda é cedo…